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Novembro Azul, o medo do toque retal e o excesso de exames.

Na última terça-feira (14), reunimo-nos no Coletivo para celebrar a vida de Leandro Feitosa Andrade, falecido no dia 14 de maio de 2018, com apenas 58 anos.

Leandro era psicólogo e coordenava há 10 anos grupos reflexivos com homens autuados por crimes de violência contra a mulher em uma parceria entre a organização não governamental Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde e a Vara Central de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de São Paulo.

Era também professor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e nas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).

Além disso, era pai de Tarcila e Raul, bem como companheiro de vida de Marilene.

Na noite de terça-feira, pela iniciativa de Marilene, abrimos as portas do Coletivo a amigos, colegas de trabalho, alunos e familiares para que lembrássemos juntos da história de Leandro, acreditando que compartilhar nossas memórias era também uma forma de tributo à sua vida e de mantê-lo presente entre nós.

Após uma chuva torrencial que contribuiu com esmero ao caos já característico de São Paulo e que poderia ter evitado que o evento acontecesse de fato, vimos aos poucos os afetos de Leandro chegando ao Coletivo, com a intenção de relembrá-lo.

Reunimo-nos em roda na mesma sala em que durante tantas noites de segunda-feira Leandro havia facilitado os encontros dos grupos reflexivos com homens. Nada mais justo do que sentarmos juntos, olhando e escutando uns aos outros, podendo enxergar em cada memória narrada um pouco de Leandro e de como ele havia permanecido em cada um de nós, através dos variados encontros.

Aqueles que tiveram a sorte de cruzar o seu caminho, lembravam da seriedade com que conduzia a vida e seu trabalho, e também do modo como sua fala fora sempre carregada de serenidade, mesmo quando o conteúdo do enunciado transmitia dureza. Leandro era também escuta, silêncio e reflexão. Era, sem dúvida pragmatismo. Não sabia viver o mundo sem “colocar a mão na massa”, o que o tornava particularmente apto dos pequenos reparos às grandes organizações.

Leandro possuía, ainda, real aptidão para examinar a si mesmo, como fica claro através do amplo material que escrevera ao longo de sua vida, refletindo sobre si, suas experiências e outras inquietações. Mas, também como psicólogo e sujeito pensante, era extremamente habilidoso em oferecer um olhar ao Outro, e um olhar que poderia ser repleto de cuidado, afeto e sentido e que certamente marcou suas relações e sua carreira profissional.

Nosso encontro, daqueles que o lembraram, deixou evidente sobretudo como Leandro fora comprometido com a vida, em seu trabalho, em suas relações pessoais e consigo mesmo. Tudo em sua trajetória – do garimpo à militância e a docência – deixa evidente: Leandro viveu uma vida corajosa, comprometida, distante de arrogâncias, mas ainda assim de alguma forma, até mesmo na simplicidade dos confortos que procurava, ambiciosa. E a ambição parece ter residido exatamente em viver uma vida se entendendo de fato, construindo vínculos reais e contribuindo para que homens e mulheres vivenciassem o mundo de maneira mais justa e com respeito.

Certamente, nossas lembranças iluminam um pouco do que teria sido Leandro, o pensador, o pai, o amigo, o companheiro, o filho. Contudo, é possível também que não consigam alcançar a complexidade do que foi o homem Leandro.

Em nossa finitude, nos vemos atravessadas pela dificuldade de lidar com a morte e com a forma precoce com que Leandro nos deixou. Falar, compartilhar e elaborar a falta em sua ausência, as saudades que tecemos a cada dia e quando nos lembramos dele, é o que nos aproxima de mantê-lo como uma inspiração entre nós.

Que Leandro permaneça presente, como um afeto que nos mobiliza e nos inspira a uma vida comprometida, com nós mesmos e com o mundo no qual desejamos existir.

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